Não se falou outra coisa esta semana. Da minha lista de e-mails mais ativa sobre fotografia, aos grupos de whatsapp do tema que integro e diversas postagens nas mais diversas redes sociais, a desclassificação de um fotógrafo brasileiro, vencedor do famosíssimo Wildlife Photographer of the Year, um dos mais reconhecidos concursos do mundo.
Já falei aqui em postagens passadas que não sou dos maiores entusiastas de concursos, tampouco conheço a história e a carreira do Marcio Cabral, o brasileiro vencedor com uma imagem espetacular, mas ver um conterrâneo vencer o famoso concurso internacinoal e com uma foto tão ímpar alegra todos da classe, sem dúvidas.
Pra quem ainda não sabe do ocorrido, Marcio foi desclassificado por utilizar um animal empalhado (mais informações AQUI). A coordenação do concurso foi cuidadosa e criteriosa, enviou a imagem pra 5 especialistas e todos foram unânimes em informar que se trata do mesmo animal empalhado da entrada do Parque Nacional das Emas.
A fantástica imagem vencedora do Marcio Cabral.
O animal empalhado do Parque Nacional das Emas (foto do Natural History Museum).
Confesso também que não precisa ser especialista pra achar tudo tão estranho, a cabeça do animal, as linhas do corpo, a pelagem, a disposição das cores, tudo conta contra o Marcio, as semelhanças são gritantes.
Ainda assim, acreditar na presunção da inocência é fundamental, Marcio jura inocência, diz ter testemunhas (não sei quantas), mas uma coisa de fato me deixa ainda mais embaraçado. Explico.
O concurso pediu novas imagens do animal chegando e saindo do cupinzeiro. Marcio diz que por ser uma longa exposição tem uma única foto. Nesses mais de 10 anos dedicados a fotografia de natureza, vi pouquíssimos instantes tão mágicos quanto este, os famosos “cupinzeiros luminescentes” do cerrado brasileiro e um bandeira adulto e maduro aparecendo em meio a uma longa exposição numa composição linda (e neste aspecto também ressaltamos o mérito do fotografo). Justamente por ter presenciado tão poucas cenas raras como esta em tantos anos e tantas horas perdidas (ou ganhas a depender do ponto de vista) no meio do mato, sei o quanto um fotógrafo aproveitaria ao máximo um momento tão mágico. Duro imaginar que foi uma única foto.
Marcio se defende informando ser uma longa exposição com 30 segundos de duração. Em tese, tecnicamente factível. Ressalto ainda que a nitidez da imagem é impecável pro horário em que a foto provavelmente foi registrada. Difícil imaginar que justamente após os 30 segundos da foto, o animal se retirou, justamente num intervalo entre uma foto e outra. Não é impossível que isso tenha acontecido, é verdade, mas, admitamos, seria muita sorte (pela perfeição) e muito azar (por ter sido permitido um único click).
Em resumo, mais do que os 5 especialistas informarem que se trata do mesmo animal, me causa muito mais estranheza o fato do fotógrafo ter registrado uma única foto do momento e com tamanha perfeição. Certamente as condições adversas do local e do horário, ter-se-ia o mínimo de tentativa e erro até um click tão perfeito. Eu dificilmente conseguiria uma regulagem tão perfeita logo no primeiro.
A disposição das massas na imagem é singular, certamente o júri levou isso em consideração, Marcio certamente é um fotógrafo diferenciado, entende de composição como poucos, até os cupinzeiros ao fundo preenchem a imagem de maneira singular e merece parabéns por este cuidado, mas se de fato utilizou um animal empalhado sem ter comunicado, considero um grave atentado à ética e ela não pode ser ferida desta forma em qualquer profissão.
Outras famosas imagens da fotografia de natureza brasileira são acusadas de utilizarem animais cativos em ambientes naturais, mas não lembro de outras situações em que conseguiu-se tantos indícios de fraude.
Vale salientar que utilizar animais cativos e/ou domesticados não é crime. Pelo contrário, muitas vezes facilita a emissão da real mensagem, mas é sempre necessário informar. Sempre que publico fotos de zoológicos, ou animais domésticados em geral, faço questão de informar, isso nunca desmereceu os méritos da imagem. Abaixo alguns destes cliques que adoro.
Murucututu (Pulsatrix perspicillata), no Parque Zoobotânico de Teresina (Piauí) em foto de 2016.
O chimpanzé Sena, o decano do Zoológico do Recife, em foto de 2014.
O que aconteceu é duro. Muito duro. Ainda assim, aguardarei a posição oficial do autor. Pelo que soube, ele ainda terá a chance de se defender e tem a certeza que será absolvido. Pelo bem da fotografia brasileira, que assim seja e torço para que ele traga novos elementos. Fico na torcida para que tudo se esclareça e que no fim a verdade seja a única vencedora!